domingo, 2 de maio de 2010

Testemunho de uma ex-testemunha de jeová na primeira pessoa "eu fui uma testemunha de jeová"

"Eu sou a Ana, tenho 41 anos e sou de Lisboa.

Até os sonhos com o pesadelo do Armazedon, durante anos eu tive.

Cresci nas Testemunhas de Jeová desde os meus 5 anos, após a morte do meu pai, a minha mãe iniciou um estudo bíblico com uma prima afastada e, fui baptizada com 13 anos, fui uma Testemunha de Jeová, passou muito tempo e houve coisas que acabaram por ser esquecidas por não me recordar disso mas com quase 18 anos, salvo erro, fui numa viagem de finalistas com alguns colegas da escola secundária onde estudava, fomos até...., ficámos lá numa pensão, e, para essa viagem convidei uma "amiga" que frequentava às vezes as reuniões, e como sempre fui de partilhar o bom com quem gostava, desse ida resultou a primeira comissão judicativa, já que a minha "amiga" foi dizer aos anciãos que eu tinha estado na cama com um rapaz; de facto, tinha estado a tomar banho com ele, nus, e tinhamos estado a conversar na cama, deitados, na mais das puras das inocências, hoje carinho, coisa tão plena e bonita, é claro que as mentes perversas dos anciãos das Testemunhas de Jeová nunca jamais puderam pôr a hipótese de eu não ter tido relações sexuais com aquele rapaz. Isso é de uma grande maldade e perversidade! Visto a esta distância, realmente, as mentes perversas vêm mal em tudo! A minha mãe, esteve do lado deles. E isso foi muito mau naquela altura.

Fui repreendida e dessassociada.

Foi muito doloroso na altura.

Fiquei totalmente sozinha no mundo.

As Testemunhas de Jeová eram o meu mundo.

Eram tudo aquilo em que eu me revia e que eu tinha.

Os anciãos, que e tinham visto cresce, eram uma espécie de pais, impiedosos, que me repudiaram naquele momento. Isso doia sem fim.

O amor é outra coisa.

Já anteriormente tinha pensado que eu não queria ter nenhuma recompensa "um paraíso" por ser uma pessoa boa.

Era uma boa pessoa porque me sentia bem com isso, e não queria com isso e por isso nenhuma recompensa.

Sofri muito com a dessassociação, como sabes, podemo-nos tratar por tu?

Sofri, tudo! Sofria porque tinha perdido de uma certa forma a inocência, tinha-a perdido porque ma tiraram. Foram maus para mim. A comissão judicativa tinha-me explorado psicologicamente com perguntas durante horas, sobre a minha intimidade. Isso não se faz!

Chorei muito. Muito, muito. Sofri muito. Muito, mesmo!

Não conhecia o mundo para onde fui lançada. Não sabia viver. Tudo era novo. Por vezes, ainda é. Cada vez menos. Mas, como tu, tenho tido a experiência de encontrar pessoas maravilhosas, de facto, melhores do que as Testemunhas de Jeová, sem dúvida nenhuma!

Mas, quis voltar às Testemunhas de Jeová.

Passado um ano de assistir semanalmente às reuniões.

Escrevi uma carta e fui readmitida.

Mas, eu tinha mudado. Não era a mesma. O sofrimento fez-me crescer. Mudar. Sem querer estava já noutro lugar. Isso foi positivo.

Uma organização que faz sofrer assim não tem interesse. Não tem interesse para ninguém. Eu senti o desamor, no mais pleno da minha existência.

Percebi plenamente que algo que faz sofrer não é amor. Nunca está ligado ao amor.

Voltei às Testemunhas de Jeová porque precisava de ser eu a sair. A vir-me embora. Era diferente. Tinha de ser assim.

Ainda assisti a algumas reuniões até que, cada vez fui menos.

Até que passados alguns anos com 25, 26 anos, passado muito tempo de ter deixado de assistir às reuniões, escrevi uma carta de dissociação.

Até há três anos atrás, e, durante alguns anos, trabalhei no Algarve e estava pouco tempo em Lisboa e acabei por não ter contacto com as pessoas que me viram crescer nas Testemunhas de Jeová.
Durante anos, eu baixava os olhos e o rosto quando passava por uma Testemunha de Jeová conhecida, sentia estupidamente vergonha, como se fosse uma criminosa, uma pecadora, por um pecado que nunca cometi.

Há dois anos, regressei a Lisboa, e hoje em dia, já me aconteceu cumprimentar com "bom dia" e até com beijinhos algumas Testemunhas de Jeová que me viram crescer.

Foi um outro mundo, outro registo que vivi. Lembro-me de tudo. Lembro-me do certinho e de gostar de conversar com as pessoas no testemunho. Ir ao testemunho. Pensava eu que...a ilusão, foi duro sair da ilusão. Afinal, é tudo tão artificial. Tão simples. As pessoas são felizes sem pensar, mas a verdadeira vida é outra coisa.
Tem sido assim. Aprender a viver. Dar-me à vida."

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